JOGO DO CORAÇÃO

A melhor atividade está contida no peito.
Bate forte como as muitas ondas, debatem as rochas.
Pula por cima dos desejos, corre devagar no amor.
Joga para valer com a vida.
Não perde nenhuma, só cansa quando é maltrado.
Agora, onde descobrirei uma nova emoção?
Todas as peças do esporte se esgotou.
As veias da infinita comoção, atraiu as poucas seguranças da paz.
E não vá dizer que é coisa do destino.
Tudo na vida é um jogo, onde se cruza as sortes.
Lançam-se os sonhos na pista das alternativas.
O coração faz um exercício bem comodista. (Jeremias Silva)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Análise do poema Versos Íntimos de Augusto dos Anjos



Vês?! Ninguém assistiu ao formidável (A)
Enterro de tua última quimera.(B)
Somente a Ingratidão - esta pantera –(B)
Foi tua companheira inseparável! (A)

Acostuma-te à lama que te espera! (B)
O Homem, que, nesta terra miserável, (A)
Mora, entre feras, sente inevitável (A)
Necessidade de também ser fera.(B)


Toma um fósforo. Acende teu cigarro! (C)
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, (C)
A mão que afaga é a mesma que apedreja.(D)


Se a alguém causa inda pena a tua chaga, (E)
Apedreja essa mão vil que te afaga,(E)
Escarra nessa boca que te beija!(D)



Este poema de Augusto de Anjos foi considerado um dos cem melhores brasileiros do século XX.
Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza como soneto clássico. Para chegarmos a esta afirmação, basta observar o esquema métrico - os versos são decassílabos – e o esquema rítmico – as rimas são regulares (ABBA; BAAB; CCD; EED). Lembre-se o soneto apresenta sempre a estrutura fixa 2 (dois) quartetos e 2 (tercetos).
Na primeira estrofe, o eu-lírico relaciona a vida social do homem à vida dos animais selvagens, por meio de imagens (lama, terra miserável e fera) que lembram o estilo naturalista, em seu determinismo cientificista e em seu materialismo. Isto sinaliza que o poeta combina elementos tradicionais, próprios de estilos desenvolvidos até o século XX, com elementos que anunciam o Modernismo, iniciado no século XX. Trata-se, portanto, de um autor de transição. Vamos analisar como se dá esta transição.
Os versos que iniciam a segunda e a terceira estrofes apresentam um tom de conselho ou ordem, que é reiterado no desfecho do poema. Este conselho é introduzido pelas as formais verbais “acostuma-te” e “toma”. Na segunda estrofe, o eu-lírico supõe que o leitor se acostumou a “lama te espera!”, isto mostra uma associação entre o naturalismo e o determinismo, questões da ciência muito presente na literatura no final do século XIX. Repare que o conselho ou ordem da terceira estrofe introduz no poema, de forma inesperada, um tom prosaico, de conversa cotidiana. O verso surpreende o leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o Realismo psicológico de Machado de Assis. Por meio da surpresa, da ironia e da provocação, o eu-lírico procura quebrar a expectativa do leitor, como se o aconselhasse a se preparar para ler a afirmação cruel sobre o ser humano que vem a seguir. Para isso, o eu-lírico utilizou o modo verbal imperativo.
Outro recurso fundamental para fazer o poema cair na graça do público em geral é o vocabulário. O vocabulário escandaliza o leitor acostumado com a poesia parnasiana, incluindo expressões que, do seu ponto de vista, pode ser consideradas “não poéticas”. Observe estes versos, “(...) véspera do escarro,”/”Apedreja essa mão vil (...)”/”Escarra nessa boca (...)” – estas expressões não poderiam ser consideradas poéticas no contexto do Parnasianismo, pois esse estilo literário se caracteriza pelo uso de um vocabulário erudito, com palavras elegantes e amenas.
No poema, o homem, a vida social, a amizade, a solidariedade, afeto (beijo, mão que afaga) transformam-se em ingratidão, terra miserável, fera, desafeto (escarro, mão que apedreja). Duas ações que causam transtorno no leitor são apedreja a mão amiga e cuspa na boca que te beija, ou seja, o eu-lírico recomenda apedrejar a mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar na boca de quem se recebeu um beijo.
Na estrofe final, numa leitura mais profunda, podemos pensar que o eu-lírico estar nos advertindo, precavendo-nos contra aquilo que parece nos ordenar e aconselhar a fazer. O recurso estilístico utilizado foi a ironia, que permite essa interpretação justamente porque consiste em afirmar o contrário do que se pensa.
O conteúdo do poema tem tudo a ver com o título “Versos Íntimos”. Assim como todo o poema apresenta um tom irônico, o título também o é, por sugerir um texto subjetivo, romântico, sentimental, o que a leitura efetiva do poema desmente, ao mostrar que se trata de um texto agressivo, desolador, que se aproxima do grotesco.
Este poema faz parte da obra Eu, único livro publicado pelo poeta Augusto dos Anjos. Sendo que esta obra é uma das mais lidas e relidas de nossa literatura.

23 comentários:

  1. Eu amei, consegui entender o porquê desse escarro.

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  2. Fantástico. O tenho decorado desde a 8ª série.

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  3. Essas perguntas , ta com a resposta , ?

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  4. O apedreja e o escaro seria apenas ignorar o que se era ignorado

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  5. Somente um GÊNIO tem a capacidade de fazer um poema com essa carpintaria literária. Agradeço a postagem. Sua análise é boa.

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  6. Por que sou só eu quem acha que o poema é contra o cigarro?

    Talvez a grande ironia do poeta médico seja exatamente a de divertir-se vendo pessoas encontrar os mais variados sentidos ocultos em suas imagens fortes, quando, na verdade, estava sendo bastante direto. Metáforas só funcionam se seu sentido for direto, intencional. Não é comum ao autor poemas fantásticos, que sejam puramente simbólicos, por isso, acho que minha tese procede. Se não, vejamos. As quimeras são as desculpas que o fumante dá para não parar de fumar, ingrato, pois destrói sua saúde e depois o custo de seu tratamento é encargo dos outros. Precisa acostumar-se à lama que lhe espera. Os gestos e trejeitos do fumante têm algo de irracional, selvagem, no mundo de feras, sente necessidade de também ser fera. O fumante beija e afaga o cigarro. Sente conforto como se fosse um amante.

    Enfim... bem direto. É o que penso

    Carlinhos Puig

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  7. nao entendi nada me explique OK pf pf pf :(

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  8. Primeira estrofe: Quimeras - desculpas inverídicas que o fumante dá para não parar.
    Ingratidão - é ingrato pois seu prazer de hoje não leva em conta o sofrimento que os outros terão consigo no futuro.
    Segunda estrofe: o fumante precisa acostumar-se à lama que o espera. Ele tenta e quer ser fera - seus trejeitos fumando parecem ter esse sentido.
    Terceira estrofe: o cigarro é mencionado diretamente. A mão que afaga é a mesma que apedreja - eu mesmo, que afago o cigarro, sou quem causa dano a mim.
    O beijo é a véspera do escarro: a tragada, tal como um beijo...

    enfim, acho que essa é a interpretação correta, mas posso estar bem errado, afinal, que eu saiba, sou o único quem diz isso.

    Carlos Puig

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    1. Gostei da sua reflexão! Realmente o que disse faz todo sentido.
      Esse poema é semântico. Cada pessoa extrai dele sua interpretação, uma interpretação que esteja associada a vida do leitor. Porque ele quer saber se o eu-lírico já sofreu igual a ele, e a maioria acaba se identificando com a "parte emocional", meu caso, rsrs. E você não, você, digamos, interpretou com a "parte racional", muito interessante!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Gostei muito em ter encontrado essa analise , ela eh otima . Parabeens !

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  11. boa tarde vc pode responder essas perguntas?
    1.O testo é um soneto com o seguinte esquema de rimas:A,B,B,A/B,A,A,B/C,C,D/D,D,C. Essa preocupação formal revela vestígios de um estilo que antecede o pré-Mordenismo de que estilo se trata?

    2.O poema dirige-se a um interlocutor (que pode ser ele próprio), ressaltando a solidão de todo ser: humano em que versos fica nitida esta ideia?

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Alguém pode responder: Há uma única palavra que nos passa mínima informação sobre a identidade do interlocutor qual e essa palavra?

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  14. E que Funcao sintática desemprenha no texto?

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  15. Como você caracteriza o falante em relação ao interlocutor ? Justifique sua resposta apontando os elementos gramaticais de que se Vale o falante nos enunciados

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  16. vem declarado que diferentes da forma de relosu

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  17. Se alguém causa inda pena a tua chaga,apedreja essa mão vil que te afaga,esbarra nessa boca que te beija! Qual a semelhança e diferenças entre eles

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