JOGO DO CORAÇÃO

A melhor atividade está contida no peito.
Bate forte como as muitas ondas, debatem as rochas.
Pula por cima dos desejos, corre devagar no amor.
Joga para valer com a vida.
Não perde nenhuma, só cansa quando é maltrado.
Agora, onde descobrirei uma nova emoção?
Todas as peças do esporte se esgotou.
As veias da infinita comoção, atraiu as poucas seguranças da paz.
E não vá dizer que é coisa do destino.
Tudo na vida é um jogo, onde se cruza as sortes.
Lançam-se os sonhos na pista das alternativas.
O coração faz um exercício bem comodista. (Jeremias Silva)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ÁGUAS DE MARÇO, DE TOM JOBIM



Análise da Música "Águas de Março", de Tom 
Jobim

Águas de Março - Compositor: Tom Jobim



É pau, é pedra
É o fim do caminho
É um resto de toco
É um pouco sozinho
É um caco de vidro
É a vida, é o sol
É a noite, é a morte
É o laço, é o anzol
É peroba do campo
Nó da madeira
Caingá, candeia
É o matita-perê
É madeira de vento
Tombo da ribanceira
É o mistério profundo
É o queira não queira
É o vento ventando
É o fim da ladeira
É a viga, é o vão
Festa da cumeeira
É a chuva chovendo
É conversa, é ribeira das águas de março
É o fim da canseira,
É o pé, é o chão
É a mancha estradeira
Passarinho na mão
Pedra de atiradeira
Uma ave no céu
Uma ave no chão
É um regato, é uma fonte
É um pedaço de pão
É o fundo do poço
É o fim do caminho
No rosto, o desgosto
É um pouco sozinho
É o estrepe, é emprego
É uma ponta é um ponto
É um pingo pingando
É uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto
É uma prata brilhando
É a luz da manhã
É o tijolo chegando
É alinha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana
Estilhaços na estrada
É o projeto da casa
É o corpo na cama

É o carro enguiçado
É a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte
É um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março
Fechando o verão
É a promessa de vida do teu coração
É pau, é pedra
É o fim do caminho
É um resto de toco
É um pouco sozinha
É uma cobra, é um pau
É João, é José
É o espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março
Fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte
É um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março
Fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco
É um pouco sozinho



A música transcrito acima, Águas de Março, escrito pelo poeta e compositor Tom Jobim, fez muito sucesso na voz da cantora Elis Regina. Vamos para a análise.
Na construção da música, vê-se que predomina a classe de palavras, denominada substantivo (termo que se refere ao nome das coisas, objetos). Os substantivos presentes no texto são: pau, pedra, fim, caminho, resto, toco, caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol, peroba, campo, nó, madeira, caingá, candeia, vento, tombo, ribanceira, etc.
As imagens do texto são, inicialmente, aleatórias, misturando elementos da natureza e da civilização industrial, por exemplo, caco de vidro e viga. Isto faz com que o texto seja coeso e coerente. Qual foi o modo de coesão e coerência são construídas no texto? A coesão é construída pela repetição estrutural da expressão “é...”. Há, ao longo do texto, o elencamento de várias coisas que são. Já a coerência se constrói pela descrição de cenas e situações que são unificadas pelo refrão: tudo o que é descrito se transforma no final do verão, quando surge uma nova esperança “promessa de vida”.
Vejamos algo bastante diferenciado. O único elemento do texto que está no plural é o substantivo “água”. Afinal, a água será a responsável, no texto, por trazer a mudança, a renovação. Esse plural reforça a importância das águas e do refrão da canção: “são as águas de março fechando o verão/é a promessa de vida no teu coração.”

Para finalizarmos, o título da canção se refere à passagem do tempo, ao fim do verão com as chuvas que caem em março. É como se tudo, natureza e civilização, fosse “lavado” e renovado com a mudança da estação.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Análise do Poema Mar Portuguez, de Fernando Pessoa

MAR PORTUGUEZ - Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lagrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão resaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nossos, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.

O poema transcrito acima, Mar Portuguez, faz parte da obra Mensagem, do poeta português Fernando Pessoa. Nele, o poeta focaliza o esforço empreendido pelos portugueses nas grandes navegações.
Vamos começar a análise pelo título Mar Portuguez. O título do poema enfatiza a vocação marítima de Portugal, porque o uso do adjetivo “portuguez” sublinha a ação imperialista do Estado português, que se sente dono, possuidor do mar.
Agora observamos o uso da primeira pessoal do plural no terceiro verso da primeira estrofe ” Por te cruzarmos”. Este uso produz um efeito de sentido de inclusão. A primeira pessoa do plural (“cruzarmos”) é usada porque o eu lírico se inclui entre o povo português, que pagou um alto preço para que o mar fosse conquistado. Este alto preço causou sofrimentos vividos pelos portugueses para que o mar fosse conquistado, ou seja, para que o mar fosse conquistado pelos navegadores portugueses, mães choraram pela partida/morte dos filhos, filhos rezaram pela partida/morte dos pais e noivas ficaram sem casar pela partida/morte de seus namorados e noivos.
Vamos entender o efeito de sentido nos dois versos seguintes “Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,/Mas nelle é que espelhou o céu.”. Estes versos fazem o elogio do mar, espaço de grandes perigos e, também, de grande beleza (espelho do céu). É possível, ainda, extrair o fragmento a ideia de que a conquista do mar corresponde, de certo modo, à conquista do céu.
Para fecharmos, vamos identificar algumas palavras usadas no poema que, por sua grafia, revelam que a aventura náutica portuguesa refere-se a um passado longínquo. São elas: portuguez, lagrimas, resaram, abysmo, nelle que estão em desacordo com o sistema atual ortográfico.


segunda-feira, 11 de novembro de 2013


Análise do Poema Madrigal Melancólico, de Manuel Bandeira  


O que eu adoro em ti
Não é a tua belezahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png
belezahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png é em nós que existe
belezahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é A VIDA!

http://www.encantosepaixoes.com.br/0200madrigalmn.gif 

Este foi poema foi lançado no livro intitulado “O ritmo dissoluto”. Nele, é possível notar o uso do verso livre, certa liberdade no tratamento de temas tradicionalmente poéticos, que fazem parte da estética de Bandeira, como você observará agora pelo estudo deste poema “Madrigal melancólico”.
No poema, “Madrigal melancólico” existem elementos que se inserem numa tradição poética e que rompem claramente com certos aspectos da tradição poética. Em relação aos elementos voltados para a tradição poética podemos notar a repetição da estrutura dos dois primeiros versos de cada estrofe “O que eu adoro em ti/Não é a...”; outra elemento da tradição poética é a opção pelo madrigal para a composição poética. Esta composição exprime um pensamento fino, galante, e que, em geral, se destina a ser musicada; surgiu na Itália do século XIV e teve sua época de maior difusão no século XVI; fala marcada pela galanteria afetada, cumprimento lisonjeiro, galanteio. Além disso, está intimamente ligada ao tema lírico-amoroso e tom melancólico que permeia alguns versos. Agora, o que rompe literalmente com a tradição poética são os versos livres  - sem métrica fixa e o número irregular de versos nas estrofes.
No poema, o eu-lírico criou um esquema argumentativo para exaltar a pessoa a quem se refere. Esse esquema se evidencia por cinco estrofes, sendo que o eu lírico descarta uma série de características positivas presentes na interlocutora para ressaltar o que nela é ainda mais importante para ele: a vida. Ao descartar tais características, no entanto, ele as enumera e expõe, permitindo que esses aspectos positivos sejam observados. De certa forma a vida, aquilo que o eu lírico adora na interlocutora, é a síntese de tudo o que foi descartado (e destacado) por ele.
Em cada estrofe, o eu lírico destaca um assunto; 1ª estrofe: a beleza; 2ª estrofe: a inteligência; 3ª estrofe: o que ela o faz recordar e a 5ª estrofe: o instinto maternal. Isto ressalta atributos da interlocutora.
Vamos partir para uma análise mais profunda. Nos versos a seguir “E a beleza é triste/Não é triste em si /Mas pelo que há nela /De fragilidade e incerteza” notamos que eles exprimem a ideia de transitoriedade das coisas. Por boas que sejam (como a beleza), são frágeis, terminam; além disso, são incertas, porque dependem da forma como se olha, de um padrão estabelecido em certo momento e local. Já no verso “Ave solta no céu matinal da montanha” trata-se de uma metáfora do espírito ágil e luminoso da pessoa a quem ele se refere. Ave solta destaca a agilidade e a liberdade de pensamento; o céu matinal destaca a luminosidade. Nos versos seguintes, “O que adoro em ti lastima-me e consola-me:/O que eu adoro em ti é A VIDA!” o eu lírico fica lastimado e consolado com a vida, por que a lastima talvez por aquilo que a vida tem de frágil; e a consola por ser expressão de tudo aquilo que ele admira e em que acredita.

Para finalizarmos, o título do poema se chama “Madrigal melancólico”. Agora o que há no texto de madrigal e de melancólico? O texto é um madrigal, não apenas pela forma poética (terna ou galante), mas também por consistir num verdadeiro elogio à pessoa à qual se dirige. Já o melancólico, porque aquilo que o eu lírico mais adora na pessoa – a vida – ao mesmo tempo que o consola, ele lamenta, pois é ambíguo, forte e frágil.